top of page
Logo ASA Advogdos
(+351) 918 989 596
(+351) 918 989 596
asergioalmeida

COVID-19: Dever de apresentação à Insolvência e consequências

A pandemia decorrente do novo Coronavírus provocou consequências económicas que afetaram de sobremaneira o tecido empresarial português. De facto, em virtude tanto da paralisação per si, como do efeito sistémico da economia e da imprevisibilidade da evolução da pandemia e do mercado, as empresas portuguesas estão a ser colocadas à prova, enfrentando desafios num cenário descrito pelos especialistas como de crise.

Assim, os gerentes e os membros dos órgãos de administração das sociedades anónimas enfrentam atualmente questões relacionadas com a sustentabilidade económica e financeira das sociedades, não podendo descurar a insolvência das sociedades que gerem como consequência da crise provocada pela pandemia.

Neste contexto, importa salientar que estes órgãos de administração estão adstritos a deveres perante as sociedades que gerem e demais stakeholders – incluindo o dever de agir sempre no melhor interesse da sociedade.

Deste modo, o dever de apresentação à insolvência sobressai como um dever fundamental, sendo de relevar ainda os efeitos da sua inobservância para os próprios membros dos órgãos de administração das sociedades, que podem envolver consequências tanto pessoais como patrimoniais.



1. A INSOLVÊNCIA

De acordo com o número 1 do artigo 3º do CIRE é considerado “em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Acresce que as pessoas coletivas são também consideradas insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis, não bastando a mera falência técnica. Contudo, caso o ativo seja avaliado como superior ao passivo nos termos do número 3 do artigo 3º do CIRE, as pessoas coletivas não devem ser consideradas insolventes.

No entanto, importa salientar que se equipara à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.

Assim, para caracterizar uma situação de insolvência, o que verdadeiramente releva é a insusceptibilidade de satisfazer as obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a impotência para o obrigado de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos – por exemplo, a insuficiência do ativo liquido disponível para satisfazer o passivo exigível num contexto comercial desfavorável e no qual seja bastante improvável alterar o rumo dos acontecimentos.

Deste modo, surgindo uma situação de insolvência iminente, de forma a beneficiar dos regimes favoráveis previstos no CIRE ou a evitar consequências mais gravosas, o devedor deve apresentar-se à insolvência.


2. O DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA

O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, ou à data em que devesse conhecê-la.

Ora, não sendo o devedor uma pessoa singular, a iniciativa da apresentação à insolvência cabe ao órgão social incumbido da sua administração, ou, se não for o caso, a qualquer um dos seus administradores.


3. OS DEVERES DOS ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO

De acordo com o artigo 64º do CSC os gerentes e administradores devem observar deveres de cuidado e de lealdade, com o objetivo de proteger os interesses da sociedade, como por exemplo a rentabilidade, sustentabilidade e durabilidade, e de outros sujeitos que gravitem em torno da sociedade, nomeadamente trabalhadores, clientes e credores.

Na verdade, os gerentes e administradores devem observar elevados padrões de diligência, zelo e prudência de maneira a, por um lado, agirem de forma correta e, por outro, tomarem decisões com base nos elementos disponíveis, tendo em consideração todos os fatores relevantes, como custos e consequências decorrentes, minimizando, desta forma, os riscos para a sociedade. Adicionalmente, os gerentes e administradores devem visar exclusivamente o melhor interesse da sociedade no exercício da sua atividade, abstendo-se de comportamentos que visem a realização de interesses próprios ou alheios.

Assim, releva aferir o cumprimento destes deveres, e em especial a existência ou não de uma omissão do dever de apresentação à insolvência, em virtude das consequências decorrentes para os membros dos órgãos de administração.


4. INCUMPRIMENTO DO DEVER DE APRESENTAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS – A INSOLVÊNCIA CULPOSA

O incumprimento do dever de apresentação à insolvência faz presumir a existência de culpa grave da administração do devedor, sendo, consequentemente, a insolvência qualificada como culposa.

A insolvência culposa determina, entre outos:

i. A inibição das pessoas afetadas pela qualificação para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos; e,

ii. A inibição para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;

iii. A perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afetadas e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; e,

iv. A condenação das pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.

Assim, a presunção estabelecida na lei quanto à inobservância do dever de apresentação faz incorrer sobre o gerente ou a administração o ónus de alegar, demonstrar e provar que a sua atuação foi conforme as melhores práticas e em estrito cumprimento dos deveres que é alvo nos termos do artigo 64º do CSC.


5. OUTRAS CONSEQUÊNCIAS – RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Adicionalmente, a inobservância dos deveres dos órgãos de administração poderá determinar a instauração de ações de responsabilidade civil contra estes, nos termos dos 72º, 78º e 79º, todos do CSC.

Mais, de acordo com os artigos 227º a 229º do Código Penal, o incumprimento do dever de apresentação à insolvência, em determinadas situações, é suscetível de determinar a tutela penal, com penas de prisão até 5 anos.


6. CONCLUSÃO

Face ao contexto complexo e imprevisível que as empresas vivem atualmente, os membros dos órgãos de administração devem acautelar-se e prevenir-se, sobretudo tendo em conta as consequências decorrentes da inobservância do dever de apresentação à insolvência para si mesmos a nível tanto pessoal, como patrimonial, tal como a inibição do exercício do comércio e a (eventual) responsabilidade civil e penal a que podem ser sujeitos.

Assim, devem cumprir escrupulosamente os deveres de cuidado e lealdade que se impõem, devendo, no limite e caso seja necessário, apresentar-se tempestivamente à insolvência.

Por fim, releva neste sede salientar ainda a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, que determinou a suspensão dos prazos de apresentação à insolvência durante a vigência do regime excecional e transitório.

16 visualizações0 comentário

Opmerkingen


bottom of page